O trecho do evangelho de hoje é envolvido de particularidades. Trata-se da cura de dez leprosos (Lc 17,11-19). Diferente de um milagre que aconteceu “na hora”, nesta narração, Jesus indicou: “ide apresentar-vos ao sacerdote”. Como os leprosos eram afastados do convívio social, no caso de uma cura, segundo a Lei de Moisés, era o sacerdote o responsável por atestar o retorno a vida pública. Aconteceu que “enquanto caminhavam, ficaram curados”.
Aqui há uma dimensão espiritual muito forte: a coragem de não parar de caminhar é o maior milagre: não desistir, tornar toda a vida um movimento de ascensão na direção de uma vida maior. O Gabriel Marcel escreveu um livro muito bonito chamado “Uomo viator”, em que diz: “uma ordem terrena estável, talvez, só possa ser estabelecida se a humanidade mantiver uma consciência viva de sua condição itinerante”. Somos, por natureza, caminhantes. O milagre de Jesus reativa essa consciência.
O texto propõe outro movimento. Um dos dez voltou para agradecer. A cena é comovente: “atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra e lhe agradeceu”. De fato, era um samaritano que já vivia, antes mesmo da lepra, a condição de exclusão. O samaritano, além do coração agradecido, ensina o percurso do regresso: há momentos que é preciso “voltar”, ou seja, refazer o caminho com outra perspectiva dentro dos olhos, regressar dentro do mesmo passo, mas com o coração novo.
Este é o coração da conversão: retornar para o que sempre fui, refazer o que sempre fiz, mas sendo totalmente outro. E aqui, rezo com as palavras de Dom Helder: “é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo”. É o mesmo samaritano que volta totalmente outro. Caminhar e ter a coragem de refazer o caminho: o Senhor nos dê essa graça!