Durante três domingos, temos caminhado nas cristas vertiginosas do Sermão da Montanha. Evangelhos diante dos quais não sabemos bem como ficar: se tentar adoçá-los, ou relegá-los ao repertório de ilusões piedosas. Somos ajudados por uma lista de situações muito concretas que Jesus coloca em ordem: bofetada, túnica, uma milha, dinheiro emprestado. E as soluções que ele propõe, em perfeita harmonia: a outra face, o manto, duas milhas. Muito simples, nada que uma criança não possa compreender, nada de teorias complicadas, apenas gestos cotidianos, uma santidade que sabe a roupa, a rua, os gestos, o pó.
Foi dito «olho por olho», mas eu lhe digo, «se alguém lhe dá uma bofetada na face direita, oferece também a esquerda». O que Jesus está propondo não é a submissão dos medrosos, mas uma postura corajosa: «você oferece», você dá o primeiro passo, cabe a você recomeçar a relação, remendando tenazmente o tecido de laços que é continuamente rasgado.
São os gestos de Jesus que explicam suas palavras: quando ele recebe uma bofetada na noite da prisão, não responde virando a outra face, mas pergunta ao guarda: se eu falei mal, prove-o para mim. Vemo-lo ficar indignado, e quantas vezes, por causa de uma injustiça, por causa de uma criança perseguida, por causa do templo transformado em um mercado, por causa das máscaras e dos corações duros dos piedosos e devotos. E, assim, nos colocamos dentro da tradição profética da ira sagrada. Jesus não pede para ser o capacho da história, mas para inventar algo – um gesto, uma palavra – que possa desarmar e nos desarmar. Escolher, livremente, não permitir que o mal prolifere, através do perdão «que rasga dos círculos viciosos, rompe a compulsão de repetir sobre os outros o que você sofreu, rasga a cadeia da culpa e da vingança, rompe as simetrias do ódio» (Hanna Arendt).
Nós somos mais do que a história que nos feriu. Jesus começa com os maus, talvez porque seus olhos estão mais privados de luz, mais ansiosos. Nós, que nunca conseguiremos fazer nascer ou pôr-se o sol, podemos, no entanto, fazer sair uma grama de luz, uma pequena estrela. […]
Ermes Ronchi