O grande risco da vida espiritual continua sendo o mesmo daquele denunciado por Jesus aos fariseus e mestres da Lei: «por fora pareceis justos diante dos outros, mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e injustiça» (Mt 23,27-32). Trata-se do perigo das aparências, do excesso das máscaras, de tudo o que esconde a verdade da vida.
A espiritualidade pode se tornar uma máquina de disfarçar maldades com uma maquiagem de bondade. Jesus chamou de «sepulcros caiados»: aparentemente, é bom, mas esconde podridão e morte. A vida dupla é muito perigosa, porque guarda uma carga de confusão, de perda de identidade, de idolatria a superficialidade.
A tentação é sempre achar que Jesus criticou ‘os outros’, não as minhas atitudes! Um bom exame de consciência ajuda a perceber que a incoerência habita todos, a rigidez nos tenta, as máscaras nos fascinam e é aqui o lugar do discernimento e da escolha de uma lógica de fidelidade (de fidelidade!) com a vida! O evangelho é uma escolha para aprofundar a consciência de todas as coisas – é na vida interior e nas relações, passo por passo, que se pode fazer um caminho de amadurecimento.
Shakespeare, em ‘Otelo, o Mouro de Veneza’, escreveu a sentença: «os homens deveriam ser o que parecem, ou, pelo menos, não parecerem o que não são», ao denunciar Iago, conhecido publicamente pela sua honestidade, mas que armou para que Otelo matasse a própria esposa, Desdêmona. É também de Shakespeare, Romeu e Julieta, que o amor se torna possível ao ‘cair das máscaras’, naquele baile de Verona: «por acaso o meu coração amou até agora?», disparou Romeu quando viu Julieta, de verdade!