A raiva têm lugar no quinto círculo do Inferno, na Divina Comédia: «esmurravam-se com as mãos, batiam cabeças, se chutavam e arrancavam as peles uns dos outros com os dentes». A cena é tremenda! Virgílio apontava para Dante que embaixo da lama também havia raiva «escondida»: «são aqueles vencidos pelo rancor, a ira contida e passiva, porém igualmente destrutiva. Eles gorgolam o lodo e formam as bolhas que pipocam sobre esta lama fétida».
A intuição dramática do «quinto do Inferno» não é gramática de um Deus punitivo, que condena depois da morte, conforme as ações da vida. A Divina Comédia pode ajudar intuir um itinerário de transformar a raiva, a ira, mesmo aquela escondida (que sempre se revela!), a partir da tomada de consciência da sua atuação interior. É verdade que existe uma «raiva boa» que desinstala, movimenta na direção da superação das injustiças e da mentira. Falamos da outra, aquela que vai se tornando uma condição da vida.
No evangelho de hoje (Mt 5,20-26) Jesus coloca no centro o quinto mandamento: «não matar!» Em um diálogo com os discípulos, Jesus alarga a compreensão desse preceito ao afirmar que matar alguém é mais do que não ser homicida! O homicida executa uma ação final! Jesus ajuda a pensar que pequenos sentimentos de ódio, de raiva, de ira são o início de um decreto de morte. Sugere, por isso, a reconciliação como caminho necessário para superá-lo: «vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão».
Esse imperativo moral é uma grande chave de humanização, além de ser um preceito religioso. Não basta «não matar», é preciso educar para a paz, para a reconciliação, para o perdão. Esse é dos maiores desafios do ser humano e que revela a grandeza que o habita – saber nascer de dentro do perdão e partilhá-lo com o mundo!
O dominicano Henri Lacordaire escreveu: «quer ser feliz por um momento? Seja vingativo! Quer ser feliz para sempre? Perdoa!» O evangelho de hoje é um convite a meditar e a transformar o excesso de raiva e de ódio que carregamos calçando as sandálias para fazer uma estrada, sempre longa e difícil, de reconciliação!
Pe. Maicon A. Malacarne