Na proximidade do final do Ano Litúrgico, a gramática que perpassa a Liturgia da Palavra desse domingo é escatológica, ou seja, ligada ao que vem depois da vida terrena. A literatura apocalíptica toma conta do capítulo 21 de Lucas pela descrição de sinais simbólicos e trágicos, pelas perseguições, como a do Império Romano aos cristãos que devastavam famílias inteiras.
Não obstante o cenário de catástrofe, de Jesus vem duas expressões de esperança muito fortes. É a partir delas que os cristãos eram convidados a «permanecer firmes para ganhar a vida!» São duas formas de consolação que como bálsamo podem acalmar e dar sentido também hoje às nossas feridas:
- «Será o tempo de dar testemunho da vossa fé!» Jesus sugeria que de dentro das perseguições era possível mergulhar no seu mistério para transformá-lo. Não se trata de resignação ou complacência, mas de uma resistência consistente aos que perseguiam, sem utilizar dos seus mesmos mecanismos de violência, mas, pela fé, testemunhar um outro modo de viver que passa pelo discernimento, negando o fatalismo ou qualquer resposta imediata e superficial;
- «Vos darei palavras acertadas!» A fidelidade no tempo de perseguição vem acompanhada de uma profundidade capaz de alcançar a comunicação com Deus! É Deus quem fala pela nossa voz aos perseguidores! Por isso, «não vos preocupeis com o que falar», ou seja, a preocupação central é não desanimar, não se entregar, é permanecer firme mesmo no sofrimento! Essa vocação profética é um convite a ser testemunhada no amor, na solidariedade, na generosidade, em meio a um mundo onde impera o mal.
A esperança que vem de Jesus Cristo deve estar em acordo com o esforço de cada pessoa! É só nessa comunhão de graça e de esperança-resistência que é possível «permanecer firmes». Nesse sentido, a Segunda Carta aos Tessalonicenses (3,7-12) chama atenção dos que «vivem à toa», ou seja, numa espera descomprometida. O testemunho real é de Paulo que mesmo mergulhado na missão de anunciar Jesus por muitos lugares trabalhava para conseguir o próprio sustento.
Antes de Jesus e de Paulo, no pós-exílio, o profeta Malaquias, da primeira leitura (3,19-20a), ao contrário do que se esperava ao retornar do cativeiro e encontrar um tempo de paz, foi surpreendido por mais injustiças e esquemas opressores. É dentro dessa realidade que anuncia o «Dia de Javé» em que a justiça vai triunfar com o término de toda impunidade.
O novo tempo que todos esperamos é fruto da resistência, da organização, da fidelidade em Deus que nunca nos abandona! Ao mesmo tempo, é necessário enfrentar com coragem as maldades, não utilizando dos mesmos artifícios dos maus!
Concluo com o testemunho de Etty Hillesum que viveu as barbáries do nazismo e foi morta, aos 29 anos, no campo de concentração de Auschwitz. Ao mesmo tempo que enfrentava as forças do mal e sonhava a libertação com outros judeus que viviam na Holanda, Etty se recusava a reproduzir os mesmos mecanismos dos opressores e negava até mesmo o sentimento de ódio e vingança: «cada migalha de ódio deixa o mundo mais insuportável de ser vivido».
Pe. Maicon A. Malacarne