Não importa o quanto acertamos, a quantidade de bem que fazemos, a vida continua sendo um paradoxo. Guimarães Rosa dizia que «viver é perigoso». Jesus tinha expulsado um demônio! Ao lado dos que viram o sinal com muita admiração, havia «outros» (Lc 11,15-26). Sempre há outros! Sempre há os que não alcançam, os que preferem a permanente posição do julgamento! Não se trata da oposição para aprofundar, que é saudável, senão o medo de perder o lugar dos privilégios. Para afrontar Jesus, esses «outros» chegaram afirmar que os sinais eram realizados em nome de «Belzebu, o príncipe dos demônios».
Riobaldo, protagonista no «Grande Sertão: Veredas», viveu a tensão entre Deus e o demônio. Duas forças antagonistas. Sobre Deus, Riobaldo disse: «que Deus existe, sim, devagarinho, depressa. Ele existe – mas quase só por intermédio da ação das pessoas: de bons e maus. Coisas imensas no mundo». Em outro momento, afirmou: «Deus arrocha o regulamento». O ser humano é livre para fazer as suas escolhas e Deus segue a cartografia de Deus que «faz na lei do mansinho». Já o demônio «vige, mas não rege». Para Riobaldo, o demônio só cria medo, mas cria medo porque não existe: «o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem – ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! – é o que digo».
No desassossego que é a vida, entre admiração e tentação, precisamos criar a capacidade que Riobaldo parece sugerir: não basta dividir, é preciso equilibrar e integrar as forças antagonistas. Aliás, dividir é próprio do diabo. É por isso que Jesus tirava tempo para contrapor seus opositores com paciência. Alguns poderiam dizer: «Jesus deveria virar as costas e ir embora!». Este é o mecanismo do diabo, que divide, que afasta, que não converge.
Riobaldo lembra, com o perdão do exagero da literatura nessa meditação, que o demônio «não precisa de existir para haver, a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo». Porque a vida pode se tornar causa de divisão, mesmo com discursos afanados de Deus.
Pe. Maicon A. Malacarne