Manuel António Pina, jornalista e poeta português, fez um elogio ao mundo visto ao reverso: «pensar de pernas para o ar é uma grande maneira de pensar. Com toda gente a pensar como toda gente, ninguém pensava nada diferente. Que bom é pensar em outras coisas e olhar para as coisas noutra posição. As coisas sérias que cômicas que são, com o céu para baixo e para cima o chão».
Pensar o «céu para baixo» e «para cima o chão» exige o rigor de quem conhece as coisas no seu estado original e só por isso é capaz de sugerir a inversão. Virar as coisas pode ser mais do que fantasia, mas inaugurar lugares novos com exercício da prática criativa. A viragem é mais do que uma adaptação!
Jesus conhecia muito bem o seu tempo! Ajudava os discípulos com leituras e reflexões sobre a realidade. Sem aprofundar esse «lugar» não é possível propor a inversão. No evangelho de hoje (Mt 9,14-17) Jesus disse: «Ninguém coloca remendo de pano novo em roupa velha, porque o remendo repuxa a roupa e o rasgão fica maior ainda. Também não se coloca vinho novo em odres velhos, senão os odres se arrebentam, o vinho se derrama e os odres se perdem. Mas vinho novo se coloca em odres novos, e assim os dois se conservam».
Havia um conflito porque os discípulos de Jesus não respeitavam o preceito de jejuar. É nesse sentido que Jesus propõe virar o jejum de «pernas para o ar», ou seja, pensá-lo em outra perspectiva que não aquela legalista e determinista. Não basta adaptar, é preciso roupa nova e odres novos.
Esse é mais um itinerário espiritual que pode ajudar pensar a vida e as relações. O cenário que Jesus propõe não significa jogar tudo fora! O ponto de partida é a capacidade de pensar a realidade e não só reproduzi-la e, nesse caminho, deixar que a novidade apareça, a viragem possa acontecer, sem passar uma vida fazendo «ajustes e negociações» que mudam só as aparências.
Caio Fernando Abreu intuiu bem que o «avesso pode ser o lado certo»!