A história de Caim e Abel não tem demora: «Caim atirou-se sobre o seu irmão Abel e matou-o.» Da harmonia inicial da obra criadora de Deus, traduzida pelo Gênesis com a imagem do jardim, seguem-se duas experiências de transgressão: Adão, Eva e a serpente são envolvidos pela atração do fruto proibido; Caim e Abel contam a história da primeira vítima e do primeiro homicida que desviam o caminho do amor e do respeito ao diferente.
A primeira leitura de hoje (Gn 4,1-15) narra que Caim se lançou contra o seu irmão de sangue; não é um estranho, não é um estrangeiro, não é um inimigo, é o irmão, o mais próximo de todos. A violência é assim contraditória porque o mais chegado se torna intruso, uma ameaça. Caim não aguentou não ser o único, o preferido, o mais amado. A violência também sempre tem uma carga de narcisismo.
Freud e Lacan se debruçaram exaustivamente sobre Caim e Abel para estudar o ímpeto humano: derrubar o próximo é uma força inicial e anterior a amar o próximo! É que o outro representa a minha fragilidade e destruir o outro é destruir o vazio que me habita. Isso, necessariamente, significa dizer que não basta a leitura superficial de «Caim é o mal» e «Abel é o bem», porque Caim e Abel coexistem em cada pessoa, é a luta interior mais forte. Nós somos o descontrole de Caim e a inocência de Abel!
«O Senhor pôs um sinal em Caim», é um gesto potente! A forma que Deus encontrou para romper com o vício da violência é interromper o círculo da própria violência que seria assassinar o assassino. Não se trata de um Deus injusto com a vítima, mas, de marcar uma nova lógica onde o que foi feito não foi esquecido, mas pode ser ressignificado. O assassino não deixa de ser assassino, mas pode superar o ímpeto de assassino.
Esse texto é um grande convite a fraternidade, ao compromisso ético de superar a violência, não através de mais violência, mas de relações, de convívio, de vínculo, de respeito, de responsabilidade pelo outro que desperta e amadurece na educação para a paz. A mesma pergunta de Deus para Caim é a pergunta para cada um de nós: «onde está o teu irmão?»