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Ressuscitar os sentidos!

No mesmo dia da Páscoa, no cenáculo, os discípulos que tinham reconhecido Jesus ao repartir o pão, em Emaús, contavam aos demais sobre tudo que havia acontecido (Lc 24, 35-48). Dá para reconstruir a cena: alegria, espanto, desconfiança, medo, estupor, se misturavam no meio de tantas conversas. Esse é o momento em que “Jesus apareceu no meio deles” (v. 36) desejando a paz. O medo dos discípulos é acolhido pelo incansável desejo de Jesus de fazer-se reconhecer: “vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um fantasma não tem carne, nem ossos” (v. 39).

Jesus Cristo Ressuscitado continua presente “no meio” da humanidade. O evangelho insiste nos verbos olhar, tocar, comer que fazem oposição a imagem do fantasma, de tudo que é irreal ou ilusório. O Evangelho ajuda a compreender que a ressurreição passa por “ressuscitar” os próprios sentidos, ativar as vias mais humanas para mergulhar no Verbo encarnado. Tudo que anestesia, que disfarça o humano, é estranho a Deus. A Páscoa é um convite a participar da mesma sensibilidade com que Jesus viveu no mundo, na atenção incessante de cada pessoa e de cada realidade, próprio de quem tem os sentidos bem despertos.

O cardeal José Tolentino de Mendonça em uma obra chamada A mística do instante (2015), diz que “o amor é um despertador dos sentidos”. A “nova” presença de Jesus que convida a acordar os sentidos não pode ser conhecida, de fato, fora do amor. O convite a “ser testemunha de tudo isso” (v. 48) que indica a missão de todos os seus seguidores, deve se realizar no amor. A presença ressuscitada de Jesus “no meio dos discípulos”, aponta uma dinâmica de presença no mundo, pela qual o cardeal Tolentino traduz a espiritualidade do instante, sensível aos sentidos: “A mística do instante reenvia-nos, assim, para o interior de uma existência autêntica, ensinando a tornarmo-nos realmente presentes: a ver em cada fragmento o infinito, a ouvir o marulhar da eternidade em cada som, a tocar o impalpável com os gestos mais simples, a saborear o esplêndido banquete daquilo que é frugal e escasso, a inebriar-nos com o odor da flor sempre nova do instante”.

A marca dos pregos, o pedido para comer, são uma gramática, também, de encorajamento da comunidade nascente, fortemente perseguida. Há uma conformação do sofrimento real dos seguidores de Jesus com o sofrimento real do próprio Jesus. Tudo que Jesus viveu não foi de mentira, não foi um jogo, foi a vida levada as últimas consequências. O sofrimento dos perseguidos encontrava significado na presença, nas chagas, na fidelidade em dar testemunho de Cristo, até o fim.

Pe. Maicon A. Malacarne

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