José Mattoso, um importante historiador de Portugal, refletia sobre a história a partir da categoria do «ato contemplativo» que afirmava ser a capacidade de «estender o olhar». O evangelho de hoje, do cego de Jericó, exige «estender o olhar» com um homem que não enxergava, «sentado à beira do caminho». «Estender o olhar», sobretudo, sobre a cegueira que diminui a nossa capacidade de viver e de dar significados para a nossa existência (Lc 18,35-43).
Um primeiro elemento espiritual que «estende o olhar» é sobre a imagem de Jesus que o cego carregava. Os primeiros pedidos de ajuda começavam assim: «Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!». Trata-se de uma imagem messiânica muito comum – o Messias «deveria» vir da descendência de Davi, ou seja, forte, poderoso, glorioso. A virada de chave nesse imaginário se deu a partir da expressão: «o cego chegou perto e Jesus perguntou: ‘o que eu quero que eu faça por ti?’». A proximidade com Jesus reconfigura o olhar do cego. De fato, o cego respondeu: «Senhor, eu quero ver…». A passagem de Jesus como «Filho de Davi» para «Senhor» não diz respeito somente a uma nova linguagem, mas uma nova compreensão, um novo significado, uma nova experiência que transformou um estilo de vida. A expressão «Senhor», muito mais próxima a «Pai», a «Mestre» que chama para o discipulado, é possível a partir da proximidade: «chegou perto». Intimidade que nunca é intimismo. Daí em diante, vida nova: «o cego seguia Jesus, glorificando a Deus».
O passo necessário na direção de um olhar mais largo é reconhecer-se «cego». Ninguém consegue capturar toda a realidade, compreender todas as nuances dos acontecimentos exteriores e interiores. «Estender o olhar» começa percebendo a pequenez e tateando o mesmo pedido do homem de Jericó: «Senhor, eu quero ver…». Ver mais, viver mais, vocação humana bem amarrada ao coração: «bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5,8).