Nossa relação com Deus corre o risco de se transformar em «posso ou não posso, devo ou não devo, é lícito ou não é lícito». Deus vai se tornando uma instância ética para o qual devo satisfações e cujo encontro parece mais um acerto de contas. Em Jesus, Deus ganhou o rosto da humanidade e em Jesus a fé recebe o estatuto de uma relação.
A pergunta que os fariseus e partidários de Herodes fizeram a Jesus, no evangelho de hoje (Mc 12,13-17), na tentativa de pegá-lo no erro para condená-lo, foi: «é lícito ou não pagar imposto a César?» Jesus, que já tinha compreendido as intenções, convida-os a olhar uma moeda: «de quem é a figura e a inscrição que está nessa moeda?» E, fugindo da armadilha, sentencia: «dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus». Muito maior que o imposto a ser pago a César está o valor da vida de cada pessoa que pertence a Deus.
Servir a Deus e servir a César encontram sentido no serviço a humanidade. De fato, para além de muitas espiritualidades que sugerem uma «fuga do mundo», o evangelho recorda essa verdade: Jesus assumiu em tudo a condição humana e tudo que é humano é também de Deus. Não há fé senão com os pés bem colados na vida cotidiana, de dentro das contradições dos lados da moeda. É interessante que o evangelho conclui afirmando que os que tentavam armar contra Jesus «ficaram admirados».
A admiração, o espanto, o fascínio que Jesus causava era expressão de um compromisso e um empenho com a vida! A vida que não era reduzida a uma soma de atividades, mas era sempre elevada a transcendência. Jesus superou o risco que o poeta William Blake chamou «da visão única e do sono de Newton». No romance Middlemarch, George Eliot escreveu uma espécie de elogio a atenção com a vida: «Se fôssemos dotados da capacidade de ver e ouvir cada detalhe da vida comum, poderíamos perceber o movimento da grama que cresce e o batimento cardíaco dos esquilos e morreríamos do barulho constante que é o outro lado do silêncio».
Diante de Deus, mãos cheias de vida!
Pe. Maicon A. Malacarne