É curioso que Jesus tenha chamado, conforme o evangelho deste domingo (Mt 4,12-23), dois irmãos, Pedro e André, e, mais adiante, outros dois irmãos, Tiago e João para segui-lo! O mapa do discipulado foi aberto por irmãos, por regressar a uma fraternidade muito simbólica, que Caim e Abel, os primeiros irmãos da História da Salvação, tinham destruído.
De fato, Caim e Abel (Gn 4) são uma metáfora do fratricídio que fatia o sangue e divide a humanidade! A violência é sempre fratricida, é sempre destruição da fraternidade. Jesus Cristo, ao iniciar a missão e anunciar que «o Reino de Deus está próximo», chamou dois casais de irmãos, abriu a superação do paradigma deixado por Caim e Abel e estabeleceu o imperativo da convivência, nunca da violência!
Muitos estudiosos já se esforçaram para compreender o motivo de Caim ter assassinado Abel. Freud e Lacan, por dentro da psicanálise, vão sustentar que não foi a inveja, mas o egocentrismo, o narcisismo (quando o «eu» é mais importante do que a vida). Nesse sentido, os irmãos chamados a seguir Jesus são também um retorno ao comunitário, ao coletivo, a relação, em que o «nós» é tão importante quanto o «eu».
Regressar a fraternidade é um exercício fundamental que exige transformar a cultura de ódio e de vingança que mora na nossa carne e na nossa alma! Quando fortalecemos o desejo de morte, o ímpeto de Caim, estamos progressivamente tomando distância do seguimento de Jesus Cristo. O caminho de volta passa pelo perdão («convertei-vos»), por recuperar a boa convivência, o exigente diálogo e respeito abraçado ao anúncio do evangelho!
É emblemática a lenda contada por Jorge Luís Borges, Nobel de Literatura, no livro «Elogio da Sombra»:
Abel e Caim encontraram-se depois da morte de Abel. Caminhavam pelo deserto e reconheceram-se de longe, porque os dois eram muito altos. Os irmãos sentaram-se na terra, acenderam um fogo e comeram. Guardavam silêncio, à maneira das pessoas cansadas quando declina o dia. No céu assomava uma estrela que ainda não tinha recebido seu nome. À luz das chamas, Caim percebeu na testa de Abel a marca da pedra que o tinha acertado e matado e deixou cair o pão que estava prestes a levar à boca. Pediu que lhe fosse perdoado seu crime.
– «Tu me mataste ou eu te matei?» Perguntou Abel.
– «Já não me lembro, aqui estamos juntos como antes».
– «Agora sei que me perdoaste de verdade» – disse Caim.