Pular para o conteúdo

Entre o sopro e a fome!

  • por

Há um bom consenso entre os biblistas que o termo hebraico «hevel» ganha uma melhor tradução como «sopro» de que como «vaidade». De fato, a primeira leitura de hoje, do inspirador e poético Eclesiastes, começa assim: «vaidade das vaidades, tudo é vaidade!». «Hevel» aparece 38 vezes nos 12 capítulos deste livro (73 vezes em toda a bíblia).

«Tudo é sopro!» A vida é assim, um sopro! O que Eclesiastes coloca para ser rezado e meditado é a inconsistência de todas as coisas. Nosso destino comum é o sopro, é o vento, é o nada. O Salmo 90,9 diz: «como um suspiro, consumimos nossos anos». O apego, o exagero, o excesso, o abuso de material e de consumo, recebem como que um sopro no ouvido: «disso tudo não sobrará nada…»

O sopro não conhece descontinuidade! Tudo é repetição! É como se fosse um movimento circular cujo fim é permanecer na circularidade: «nada de novo debaixo do sol» (1,9). Aqui a psicanálise sugere uma reflexão bastante fundamental para a experiência analítica. Para Lacan, por exemplo, a repetição é um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise que está ligado a pulsão de morte, ao apego a quantidade, aos afetos projetados sobre si mesmo, a reedição dos traumas etc.

O evangelho de hoje diz que Herodes «procurava ver Jesus». No fundo, a consciência de Herodes cobrava suas maldades e Jesus era uma forma de redenção da repetição do mal. Se o sopro da vida de Herodes era perseguição e poder, Jesus aparecia como a possibilidade do sentido da vida, uma continuidade descontinuada.

Mesmo considerando que tudo é sopro, precisamos um sentido, um desejo que mobiliza o ser, o fazer, o existir. Não são coisas, não são objetos, é muito mais! Talvez a poesia inaugure essa escapatória do nada! Adélia Prado, por exemplo, diz: «não quero a faca, nem queijo. Quero a fome!»

Pe. Maicon A. Malacarne

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *